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11 setembro 2014

Que a serpente não decida por nós

O titulo deste post foi tirado de um livro de Harvey Cox, celebre autor e teólogo americano ligado ao movimento da teologia da secularização. Este foi um titulo que sempre ficou na minha mente, por nos levar a pensar sobre quem comanda a nossa vida. Dizer que somos nós os comandantes das nossas vidas, é fácil e imediato, quase sempre fruto da falta de reflexão sobre si mesmo. Todavia, é nos episódios e caminhos da nossa vida, que se vê que não comandamos tanto quanto pensávamos ou desejávamos. A historia de Adão e Eva, em Génesis, é ilustrativa do processo de perda do comando da própria vida e deixar que a serpente decida por nós.

O debate sobre a condição humana sempre oscilou entre a visão determinista e a visão indeterminista, entre uma condição determinada por fatores internos (genes, por exemplo) e externos (o meio ambiente), e uma condição aberta a novas e criadoras possibilidades. Quanto a mim, sempre tive dificuldade em aceitar a visão determinista da condição humana, ainda que hajam argumentos muito sólidos a seu favor. Todavia, penso que os argumentos a favor do indeterminismo são muito mais sólidos. Por definição, o ser humano é um ser aberto e, por isso mesmo, indeterminado. Ele/ela pode escolher, apesar doa constragimentos genéticos, biológicos e sociais. Tem essa faculdade e esse é o seu poder.

Justamente, devido à nossa condição indeterminada podemos abrir mão do poder de escolha e permitir que a serpente decida por nós. A serpente pode apresentar-se agradável e tentadoramente credível, lógica e convincente, mas não podemos abrir mão do poder de escolher e de decidir. Após, a Segunda Guerra Mundial, muitos dos que serviram o Reich vieram defender-se, dizendo que apenas cumpriam ordens. Não é uma questão fácil e isto mostra quão manipulável é a nossa condição humana. É manipulável justamente por ser indeterminada.

O grande desafio moral que está em nós, marcado com cinzel, na nossa consciência, é o dever de vivermos como seres que escolhem e que, ao escolher, aceitam os riscos inerentes: a possibilidade (a realidade) de errar, avaliar incorrectamente, sentir-se inseguro e indefeso diante desse poder enorme, que é o livre arbítrio. Nas nossas escolhas morais, espirituais, pessoais, profissionais e por aí fora, por mais tentadora que seja a serpente, não podemos deixar que ela decida por nós. E nem podemos desculpar-nos com ela: "a serpente enganou-me e comi".